TERROR NAS TREVAS
( The Beyond) - ( L`aldilà) Itália- 1981
Dado Group- Legendado
Diretor: Lucio Fulci
Contato: casadovhs@gmail.com
COMENTÁRIOS:
Poucos estilos permitem tamanha liberdade de imaginação quanto o terror, mas grande parte dos realizadores que arriscam um ou outro movimento dentro do gênero parece sentir a necessidade de manter um pé no real, como se assim ajudassem quem vê a se familiarizar – sem negar que alguns filmes dependem do real para causar sensações tão extremas, mas fazem parte de outra espécie. The Beyond é o tratado definitivo de Fulci, um dos maiores especialistas do cinema fantástico italiano da década de 1970/80, sobre o universo onírico do filme de horror, um Cinema tão desprendido da coerência quanto impecável na busca de sensações intraduzíveis como forma de explorar as mais diversas possibilidades que a influência do plano sobrenatural pode exercer na vaga noção de realidade, representada unicamente pelo fato de os personagens serem humanos.
Pré-conceitos para o suposto funcionamento de um filme normalmente são resultado de insegurança por parte de quem comenta qualquer coisa, mas foda-se. Não há possibilidade de se assistir Terror nas Trevas sem a consciência de que Fulci busca, a partir do famigerado plot envolvendo a abertura de um portal para o inferno, um estado de pura liberdade cinematográfica, desprendido de qualquer razão, desprovido de qualquer padrão. O pouco de trama que existe é dissolvido juntamente com os corpos transformados em suco através daquela solução cáustica de cal com qualquer coisa. O mínimo de diálogos ou elucidações é engolido pela neblina que paira sobre as ruas da cidade. O filme tem vida. Própria. Sua.
Lucio Fulci
Ou melhor, nem toda sua. Por que Terror nas Trevas é o Frankenstein de Fulci, mas ainda pertence a Fulci. Mais do que um exercício de entrega completa à superioridade da imagem sobre qualquer outro elemento que compõe o Cinema, o filme é uma celebração do poder inimaginável que um criador possui sobre sua obra. Por isso, numa combinação catártica dos principais elementos do cinema fantástico, Lucio Fulci declara oficialmente estar chutando o último pau que restava a segurar a barraca. Em Terror nas Trevas vale tudo. Corpos e pessoas presentes em três lugares ao mesmo tempo; coisas que mudam de lugar conforme a necessidade de cena; portas que sem explicação levam os personagens a outros cenários; armas que disparam mesmo sem balas; casas que mudam de estado conforme o que as habitam; vultos e sons inexplicáveis; pessoas que somem e aparecem sem motivos; etc.
Dependendo da necessidade para se alcançar o tom exato de atmosfera e tensão, muitas vezes devastadora – em certos aspectos The Beyond se assemelha ao melhor que o jogo Silent Hill pode oferecer, em termos de atmosfera -, Fulci vai mexendo os palitos, colando situações desconectadas superficialmente que, juntas, permitem ao filme uma exploração tão apoteótica das sensações mais intensas e possíveis de serem transmitidas pelo Cinema que nada mais resta a não ser a entrega completa ao universo transloucado que de cena em cena exala uma paixão interminável pela fantasia, pela ficção – e é curioso o paradoxo instaurado com tudo isso, ao mesmo tempo em que vejo Terror nas Trevas como um belo exercício de adoração também é um dos filmes mais assustadores de que tenho conhecimento.
E em se tratando de Fulci, do homem que carrega o título de “Pai do Gore”, é quase irresponsável não mencionar as intermináveis e inconfundíveis cenas de carnificina, ainda mais por serem deste filme algumas das mortes mais geniais – e sangrentas – já filmadas. Fulci trata o corpo humano como um simples artefato de carne e sangue, estoura cabeças, rasga membros, fura olhos, arranca vísceras, corrói crânios e larga seus bichos de estimação – aranhas, cachorros e zumbis, por que não – para fazerem um verdadeiro banquete da matéria física dos personagens, uma combinação explosiva que dá ao filme aquele tom praticamente exclusivo de pesadelo sem solução – o que é definitivamente celebrado na conclusão, quando a dupla finalmente chega ao “outro lado”, às trevas, uma imensa paisagem desoladora que sentencia o final tanto da corrida de ambos em busca de uma saída – curiosamente acaba também sendo a entrega, não havia mais o que fazer – quanto da viagem do espectador através do poder do Cinema.
Para os fanáticos pela formatação cinematográfica, por filmes com paredes, Terror nas Trevas é um prato cheio, daqueles a serem degustados com um bloquinho do lado pra canetear os principais furos de roteiro e as mais perceptíveis falhas de continuidade. Para outros, pode ser uma experiência inconfundível de contemplação à imagem e uma declaração de amor à liberdade de criação que fortifica a magnitude da mídia cinematográfica. Bem, felizmente meu bloquinho entrou em estado de combustão no mesmo instante em que se abriram os portões para a casa do capeta. Maldito fogo do demônio.
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